Ano 1, número 4 - Novembro de 2003
Neste número:
 

por Filomena Embaló

Dias há em que acordamos mais nostálgicos, a tal ponto que até do futuro sentimos saudades...

Do terceiro ao quinto ano, a minha sala de aulas era uma das salas das arcadas. Mais precisamente, a do meio da ala que ficava no átrio em frente à Reitoria. Nos intervalos, raramente me afastava da sala. Não era de grandes passeios, nos escassos 10 minutos que separavam as aulas. Deixava-me estar na turma conversando com uma ou outra colega ou, simplesmente, ia encostar-me a um dos pilares do corredor observando à volta: colegas que passeavam pelos corredores, grupos que se divertiam em amena cavaqueira, jogos no pátio, enfim tudo aquilo que se pode presenciar num intervalo escolar.

Porém essas lembranças esvaneceram-se na minha memória e, hoje, quando tento avivá-las, vejo tudo como num filme mudo acelerado. Apenas uma recordação se conservou nítida: uma parede amarela com manchas pretas, provocadas pela humidade. Era o canto superior da parede do Salão Nobre, que dava para o mesmo átrio que a minha sala de aulas, na extremidade da cantina.

Perguntar-me-ão: Porquê esse detalhe tão preciso? É certo que os meus olhos passaram por ele muitas vezes, mas há muitas mais coisas que devo ter visto o mesmo número de vezes. Só pode haver uma explicação: foi, sem dúvida, por um dia ter olhado para essa parede cheia de saudades do futuro... Recordo-me perfeitamente do momento em que fotografei na minha mente essa imagem, depois de me ter perguntado como, um dia, poderia simbolizar as minhas lembranças de todos os anos passados naquela casa. Foi então que me apercebi pela primeira vez desse detalhe naquela parede e, num flash, condensei nele as recordações que eu teria, no futuro, do meu liceu. Nesse preciso momento, realizei o quanto efémera era a nossa passagem pelo liceu, enquanto ele permanecia majestoso, geração após geração, formando os pilares de outras construções do Amanhã. Eu iria partir, mas aquelas paredes ficariam ali para sempre, acolhendo novas levas de jovens, como já vinha fazendo havia algumas décadas.

Para sempre? Naquele momento, estava segura que sim! Como abalar algo tão sólido como aquelas paredes robustas, assentes sobre os alicerces do saber? Nem a mancha escura na parede me deixou suspeitar o quão frágil o tempo e a História tornariam aquele edifício, ele pela usura e ela pelo destino.

Apenas uma coisa deve ter permanecido com o mesmo vigor, continuando a cristalizar recordações dos que entretanto por lá foram passando: um canto de parede amarela manchada de preto...

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